Os mais recentes filmes de David
Mamet e dos irmãos Joel e Ethan Coen, respectivamente "O Golpe"/"Heist"
e "O Barbeiro"/"The Man Who Wasn't There", ambos de 2001,
remetem irresistivelmente para a memória do cinema através do thriller, no
primeiro caso a propósito de um assalto genial, o último antes da retirada do herói,
no segundo de um crime passional à maneira do policial negro dos anos quarenta.
Ora não será por acaso que tanto Mamet como os Coen se socorrem da memória do
cinema para a construção dos seus filmes, na justa medida em que parte do
melhor cinema actual mantém precisamente uma relação profícua com o cinema do
passado, nomeadamente através da recuperação dos códigos dos géneros
cinematográficos.
Do autor de "Jogos Fatais"/"House of Games" (1987), "Brigada de Homicídios"/"Homicide" (1991) e "State and Main" (2000), que como se sabe é um dos mais importantes dramaturgos americanos da actualidade e começou no cinema como argumentista, "O Golpe" surge como uma feliz e conseguida recriação do filme de gangsters através da figura do herói solitário, Joe Moore/Gene Hackman, que se vê acossado no seu planeado assalto pelo seu próprio mandante, Bergman/Danny DeVito, que manda o próprio sobrinho, Bobby Blane/Delroy Lindo para junto dele com a finalidade de manter total controlo da situação. Para completar o quadro, Joe tem uma jovem e bela mulher, Fran/Rebecca Pidgeon, cuja lealdade
se torna problemática com o desenrolar da narrativa.
Do autor de "Jogos Fatais"/"House of Games" (1987), "Brigada de Homicídios"/"Homicide" (1991) e "State and Main" (2000), que como se sabe é um dos mais importantes dramaturgos americanos da actualidade e começou no cinema como argumentista, "O Golpe" surge como uma feliz e conseguida recriação do filme de gangsters através da figura do herói solitário, Joe Moore/Gene Hackman, que se vê acossado no seu planeado assalto pelo seu próprio mandante, Bergman/Danny DeVito, que manda o próprio sobrinho, Bobby Blane/Delroy Lindo para junto dele com a finalidade de manter total controlo da situação. Para completar o quadro, Joe tem uma jovem e bela mulher, Fran/Rebecca Pidgeon, cuja lealdade
se torna problemática com o desenrolar da narrativa.
Ora
o que em "O Golpe" tem a ver com a inspiração clássica é a construção
das personagens, que obedecem a estereótipos perfeitamente reconhecíveis, e a
força tranquila de um herói crepuscular que Gene Hackman trasforma numa
personagem à medida do seu talento reconhecido. Além disso, a construção da
narrativa, matéria em
que David Mamet tem méritos firmados, torna a intriga
numa permanente sucessão de surpresas, registo que o cineasta e argumentista
prefere ao do suspense clássico. Desse modo, o filme ganha uma dinâmica
apreciável, a que não são alheios momentos de violência, e surge como possuidor
de uma estrutura sólida a todos os níveis, narrativo e fílmico.
O
registo de contenção do trabalho de Gene Hackman remete irresistivelmente para
o trabalho de grandes actores do passado do cinema e mesmo para algumas das
suas melhores interpretações, nomeadamente em filmes em que foi
dirigido por Arthur Penn, William Friedkin, Francis Ford Coppola e Jerry
Schatzberg. O jogo a que o cineasta e o actor se dedicam com Joe Moore, quer quando
em confronto com Bergman, quer quando em confronto com Fran, releva do melhor da
inspiração de ambos e permite construir bons momentos de cinema.
Já
o filme dos Coen envereda por um revivalismo mais explícito, que cita clássicos
da literatura e do cinema negros ao apresentar-nos como narrador um barbeiro de
uma cidade de província, soberbamente interpretado por Billy Bob Thornton, que
nos conta uma história em que intervém e de que beneficia até certo ponto, e
que envolve Doris/Frances McDormand, a mulher fatal, e Dan Hedaya/James
Goldofini, o amante dela.
Alguma
coisa do melhor do filme negro e do cinema clássico atravessa "O Barbeiro", quer na construção da narrativa (marido contra amante,
acidentalmente; um crime em vez de outro; um culpado em vez de outro, contra a
confissão deste tida como inverosímil; outro culpado e condenado em vez de
um outro), quer na construção das personagens segundo estereótipos típicos bem
definidos, que as eleva ao estatuto de arquétipos, quer ainda na criação de ambientes, o que segura o filme e evita que ele caia no pretensiosismo
estetizante que em diversos momentos e sob diversas formas, com a ajuda da
fotografia a preto e branco, o ameaça.
Depois
do incompreendido "Irmão, Onde Estás?"/"O Brother, Where Art Thou?" (2000), Joel e Ethan Coen cometem a
proeza de reinvestir um género clássico, projecto que acalentam desde o seu
filme inicial, "Sangue por Sangue"/"Blood Simple (1984), com
uma plena inspiração negra de que não está ausente o humor, ele também negro,
num filme em que dão provas de um imenso domínio da narrativa e das formas
cinematográficas, de um enorme conhecimento da tradição literária e fílmica
sobre que trabalham e de um grande saber na escolha e direcção dos actores.
Se, apesar de tudo, "Fargo" (1996) continua a ser o melhor filme
que nos deram até hoje e um dos melhores dos anos 90 do século passado,
com "O Barbeiro" os Coen aguentam-se no fio da navalha do
"maneirismo", que com grande habilidade conseguem desafiar e evitar,
ao contrário do que acontecia, por exemplo, em "História de Gangsters"/"Miller's Crossing" (1990) e em "Barton
Fink" (1991).
Um
dos elementos que mais decisivamente seguram este último filme dos Coen é a
prodigiosa voz-off narrativa na sua articulação com o flash-back, o que lhe confere grande parte do seu encanto e do seu mistério, juntamente com o underacting, com ironia levado ao grau de absoluta transparência fantasmagórica , com que Billy Bob
Thornton interpreta a personagem do título.
No
cinema, o passado não se revive apenas, nem se recupera: comenta-se, recria-se e acrescenta-se, mesmo quando está em causa o passado do
próprio cinema - essa a lição bem
tirada de "O Barbeiro", dos irmãos Coen. À sua maneira, o mesmo nos diz David Mamet em "O Golpe", embora
utilize para tal um caminho diferente.
Dezembro 2006
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