De Paul Thomas
Anderson, de quem conhecíamos "Jogos de Prazer"/"Boogie
Nights" (1997), uma segunda longa-metragem sobre o mundo do cinema porno
em Hollywood do final dos anos 70 e início dos anos 80, que fora uma
boa surpresa e uma obra promissora, chegou-nos agora
"Magnólia"/"Magnolia" (1999). Ora, com este filme o cineasta
passou de boa surpresa a excelente surpresa, de promessa a certeza.
Construindo-o a
partir das histórias de diversas personagens que de alguma forma se relacionam
entre si, o realizador (como no filme anterior também argumentista)
compõe uma sinfonia visual e auditiva extremamente estimulante, por
nos oferecer um retrato surpreendente e cativante do nosso tempo em diversas idades, em
diferentes gerações. Como num supremo movimento de criação e de revelação,
"Magnólia" procede por um processo de decantação, em que uma análise
mais fina de cada personagem, proporcinada pelo decurso do tempo, conduz cada
uma delas ao encontro consigo mesmo ou ao reencontro com outros de quem andava
afastada. E como lida com personagens plenas de actualidade, transmite-nos
como que o pulsar da América contemporânea a partir de uma reflexão de fim de
século sobre o século que termina.
Algo de tremendamente sintomático acontece, porém, neste filme: em algum momento, a maior parte das personagens sente a necessidade de pedir perdão. Estamos longe, portanto, dos heróis sem culpa e sem mácula a que o cinema clássico americano nos habituou, longe dos heróis sans peur et sans reproche que nos tentaram transmitir de modo ingénuo o prosseguimento da epopeia de um país, identificado como terra do leite e do mel. Mas também não estamos apenas perante a crítica do sistema, a que alguns dos maiores cineastas americanos procederam e procedem ao longo de obras poderosas e admiráveis.
Aquilo de que aqui se trata é simultaneamente isso e mais do que isso, pois estamos perante uma obra que desconstrói personagens que se apresentam como símbolos e figuras fortes de um imaginário dominante, e desse modo desmonta, peça por peça, a própria estrutura da narrativa clássica e da narrativa moderna (processo que o cineasta encetara já no seu filme anterior).
Algo de tremendamente sintomático acontece, porém, neste filme: em algum momento, a maior parte das personagens sente a necessidade de pedir perdão. Estamos longe, portanto, dos heróis sem culpa e sem mácula a que o cinema clássico americano nos habituou, longe dos heróis sans peur et sans reproche que nos tentaram transmitir de modo ingénuo o prosseguimento da epopeia de um país, identificado como terra do leite e do mel. Mas também não estamos apenas perante a crítica do sistema, a que alguns dos maiores cineastas americanos procederam e procedem ao longo de obras poderosas e admiráveis.
Aquilo de que aqui se trata é simultaneamente isso e mais do que isso, pois estamos perante uma obra que desconstrói personagens que se apresentam como símbolos e figuras fortes de um imaginário dominante, e desse modo desmonta, peça por peça, a própria estrutura da narrativa clássica e da narrativa moderna (processo que o cineasta encetara já no seu filme anterior).
Em "Magnólia" todos são ou pais ou mães, ou filhos ou filhas, ou esposos ou amantes, e todos, de uma maneira geral, têm algo que censurar no seu próprio passado, de que chegou o tempo de não poderem adiar mais o pedido de perdão.
Algo de
sintomático, dir-se-á, neste final de século em que vimos assistindo, um pouco
por todo o mundo, a atitude semelhante assumida por entidades políticas e
religiosas relativamente às mais diversas faltas. Mas também algo de
compreensível, sobretudo para os mais velhos, que vêem em princípio
encurtar-se o tempo de vida que lhes resta para viver, o
que vem tornar natural que a mesma atitude seja também tomada por aqueles que os
rodeiam.
Dir-se-ia
estarmos perante uma atitude religiosa de longa tradição no mundo ocidental,
fundamentalmente no plano individual, como um princípio de confissão e de
arrependimento que permite o perdão do mal praticado. Uma tradição que,
acrescente-se, precedeu em muito a prática psicanalítica e foi de grande
utilidade simbólica e prática para o convívio entre os humanos. Simplesmente,
em "Magnólia" não há um arrependimento e pedido de perdão perante o
sagrado ou os seus representantes, mas o muito directo e pessoal pedido de
perdão àqueles que foram pessoalmente ofendidos.
Crónica de um
século no seu final, este filme de Paul Thomas Anderson eleva-se à altura do
sublime ao colocar cada personagem perante a sua própria solidão, perante o
julgamento da sua própria consciência e perante o julgamento dos outros. Desse
modo, o sentimento de solidariedade que se desprende do filme é alcançado
através de um caminho penoso, de um percurso pessoal em que cada personagem se
empenha. Bem sucedido ou mal sucedido, o caminho empreendido por cada um aspira
a um absoluto que não é comum encontrar no cinema, tanto mais quanto
confrontado com os seus mais imediatos e evidentes limites.
Mas, pela sua construção em mosaico, o filme eleva-se a um plano superior ao permitir, pouco a pouco, descobrir as figuras desenhadas por cada peça e juntá-las com as formadas por cada uma das outras. Que a cidade em que decorre seja Los Angeles serve para sublinhar o carácter simbólico do filme, ao assumir como referência uma cidade mítica para o próprio cinema. Que os actores, escolhidos a dedo, tenham desempenhos excepcionais apenas vem reforçar o lado de encontro e desencontro de gerações e de sexos, questões a que o cinema norte-americano desde sempre tem dedicado uma especial atenção, mas que surgem como especialmente interessantes num cineasta que vai na sua terceira longa-metragem.
Mas, pela sua construção em mosaico, o filme eleva-se a um plano superior ao permitir, pouco a pouco, descobrir as figuras desenhadas por cada peça e juntá-las com as formadas por cada uma das outras. Que a cidade em que decorre seja Los Angeles serve para sublinhar o carácter simbólico do filme, ao assumir como referência uma cidade mítica para o próprio cinema. Que os actores, escolhidos a dedo, tenham desempenhos excepcionais apenas vem reforçar o lado de encontro e desencontro de gerações e de sexos, questões a que o cinema norte-americano desde sempre tem dedicado uma especial atenção, mas que surgem como especialmente interessantes num cineasta que vai na sua terceira longa-metragem.
Significa isto
que Paul Thomas Anderson está, ele próprio, consciente de que pertence a uma
nova geração de grande ambição e de grandes responsabilidades no cinema
americano, e que não tem nada de acidental juntar a Jason Robards e Philip
Baker Hall, o primeiro no papel de Eral Partridge, um moribundo, o segundo no de apresentador de
concursos infantis na televisão, Jimmy Gator, que está muito doente, dois nomes carismáticos
de uma geração mais jovem, Tom Cruise no papel de Frank Mackey, um jovem e agressivo
propagandista, e Julianne Moore no de Linda Partridge, uma mulher obsessiva e presa dos seus
fantasmas pessoais, e, indo ainda mais longe, juntar-lhes nomes ainda mais
novos, como Melona Walters, Philip Seymour Hoffman, John C. Riley e Jeremy
Blackman, respectivamente como Caudia Gator, Phil Parma (o enfermeiro), Jim Kurring (o polícia) e Stanley Spector (a criança
prodígio do concurso televisivo).
Perpassa por
este filme original e pessoal algo da melhor inspiração do melhor cinema americano do século XX. Inclusivamente no plano musical, Paul Thomas
Anderson dá conta de uma grande inspiração ao ir buscar como fonte principal canções da cantora pop Aimee Mann e ao transformar a música em algo que
acrescenta o filme, lhe confere uma outra, nova dimensão, em vez de simplesmente se
integrar nele.
Filme grande no sentido de longo (mais de três horas), "Magnólia" é também, e sem sombra de dúvida, um grande filme de um cineasta em crescimento, em ebulição criadora, que com ele vem juntar-se a Robert Altman, Quentin Tarantino e David Lynch no tratamento superior da narrativa não-linear no cinema americano durante a última década do século.
Filme grande no sentido de longo (mais de três horas), "Magnólia" é também, e sem sombra de dúvida, um grande filme de um cineasta em crescimento, em ebulição criadora, que com ele vem juntar-se a Robert Altman, Quentin Tarantino e David Lynch no tratamento superior da narrativa não-linear no cinema americano durante a última década do século.
Que o perdão seja indissociável do castigo, se é que se relacionam um com o outro, e que se exija um narrador comprometido com a descoberta da verdade desde as suas imagens iniciais e autênticas, acrescenta um travo muito próprio ao filme, como no vinho de uma grande colheita de uma grande marca.
Fevereiro 2001
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