Com "Fantasmas de Marte, de
John Carpenter"/"John Carpenter's Ghosts of Mars" (2001), o
famoso, embora não especialmente amado no seu país, cineasta americano dá
continuidade a uma obra notável, de que o filme precedente tinha sido
"Vampiros de John Carpenter"/"John Carpenter's Vampires" (1998).
Comecemos
precisamente pelos títulos destes dois últimos filmes. Como noutros casos de
inclusão do nome do autor, literário ou cinematográfico, nos títulos dos
filmes, John Carpenter como que apõe a sua assinatura nos seus filmes, o que dá
conta de um estatuto autoral consciente e plenamente assumido. E convenhamos
que não se pode ignorar hoje em dia que ele é um dos indiscutíveis nomes de maior relevo do cinema do seu país, de tal modo possuidor de uma temática e de um
estilo próprios que será difícil não reconhecer um filme seu como obra sua, no
exercício de uma liberdade criativa intransigentemente assumida e reivindicada, que algum reconhecimento lhe
tem valido, finalmente, no seu próprio país.
Ora
em "Fantasmas de Marte, de John Carpenter" ele volta a um método que
lhe tem sido frequente, que é o de não utilizar vedetas do cinema para os
principais papéis, para os quais escolhe actores pouco conhecidos, no entanto
perfeitamente adequados às personagens que lhes cabem. Aqui só Ice Cube, no
papel de James Desolation Williams, tem estatuto de vedeta, apesar de
interpretar uma personagem à partida pouco simpática, a de um preso que há que
transportar, o que é, aliás, uma figura recorrente tanto do western como do
filme policial. A diferença está em que estamos em Marte e não na Terra, em 2176
e não na actualidade.
Destes "pequenos" desfasamentos o cineasta tira o melhor partido, tornando a paisagem de Marte particularmente agreste e os métodos utilizados contra a força comandada pela Tenente Melanie Ballard/Natasha Henstridge especialmente ameaçadores. Mas não apenas desses aspectos ele tira partido, uma vez que a estrutura do filme em flash-back se torna de utilização especialmente feliz, vertiginosa mesmo, quando nos é dado o flash-back dentro do flash-back e a consequente repetição do mesmo acontecimento, da mesma situação segundo a perspectiva de diferentes personagens.
Destes "pequenos" desfasamentos o cineasta tira o melhor partido, tornando a paisagem de Marte particularmente agreste e os métodos utilizados contra a força comandada pela Tenente Melanie Ballard/Natasha Henstridge especialmente ameaçadores. Mas não apenas desses aspectos ele tira partido, uma vez que a estrutura do filme em flash-back se torna de utilização especialmente feliz, vertiginosa mesmo, quando nos é dado o flash-back dentro do flash-back e a consequente repetição do mesmo acontecimento, da mesma situação segundo a perspectiva de diferentes personagens.
Se
no anterior "Vampiros de John Carpenter" a estrutura era a de um
western actualizado temática e temporalmente, aqui a estrutura é de filme de
aventuras e de ficção científica sem rodeios, i. e., sem um particular recurso
à manipulação de dados ou de conjecturas de carácter científico, o que, como se
sabe, é de uso corrente no cinema americano do género. Pelo contrário, e como é
seu hábito, o cineasta simplifica para se tornar mais claro e contundente, com
o que o filme ganha uma dinâmica absolutamente notável de filme de acção, aliás sem perder traços de western, à
semelhança e à altura do melhor que o autor nos tem dado, designadamente em "Nova
Iorque 1997"/"Escape from New York" (1981), "Eles
vivem!"/"They Live" (1988), e "Fuga de Los Angeles
"/"Escape from L. A." (1996).
É
claro que, neste seu último filme, Carpenter regressa a um estilo de trabalho
próximo daquilo que foi a série B em Hollywood, designadamente a nível dos
cenários (o filme foi rodado no Novo México), o que, salvo raras
excepções, mesmo essas discutíveis, sempre tem funcionado muito bem na sua obra. Aliás, a dinâmica do filme torna as personagens seres em movimento, com um
objectivo a cumprir, como habitualmente sucede nos seus filmes, o que as torna
interessantes por si próprias e faz mover o filme sem quebra de interesse, como
aliás acontecia nos melhores casos da série B.
Se Natasha Henstridge é uma boa surpresa, Ice Cube transmite a sua carga pessoal e mítica na composição de Desolation e os restantes actores e actrizes cumprem na perfeição, aquilo que será de salientar é o facto de a uma personagem feminina ser dado papel de destaque na narrativa no desempenho de funções normalmente atribuídas a homens, o que para além de não ter precedente que me ocorra na obra do cineasta, salvo em filmes de terror, deve ser considerado de grande modernidade. Para além disso, a força em comando das operações na actualidade da narrativa é um Matriarcado, o que não é de maneira nenhuma indiferente, e a ambiguidade do final, tão do gosto do autor, faz explodir toda a carga energética típica dos seus filmes, enquanto lança "Fantasmas de Marte, de John Carpenter" para novos patamares narrativos, expressivos e de significação. A fotografia, de Gary B. Kibbe como acontece nos seus filmes desde 1993, e a música, de novo, como quase sempre sua, desta vez também de Anthrax, participam na indiscuível qualidade visual e rítmica, e no equlíbrio formal do filme.
Se Natasha Henstridge é uma boa surpresa, Ice Cube transmite a sua carga pessoal e mítica na composição de Desolation e os restantes actores e actrizes cumprem na perfeição, aquilo que será de salientar é o facto de a uma personagem feminina ser dado papel de destaque na narrativa no desempenho de funções normalmente atribuídas a homens, o que para além de não ter precedente que me ocorra na obra do cineasta, salvo em filmes de terror, deve ser considerado de grande modernidade. Para além disso, a força em comando das operações na actualidade da narrativa é um Matriarcado, o que não é de maneira nenhuma indiferente, e a ambiguidade do final, tão do gosto do autor, faz explodir toda a carga energética típica dos seus filmes, enquanto lança "Fantasmas de Marte, de John Carpenter" para novos patamares narrativos, expressivos e de significação. A fotografia, de Gary B. Kibbe como acontece nos seus filmes desde 1993, e a música, de novo, como quase sempre sua, desta vez também de Anthrax, participam na indiscuível qualidade visual e rítmica, e no equlíbrio formal do filme.
Hoje
um dos nomes maiores do cinema americano, John Carpenter continua, de filme em filme, a
surpreender positivamente, a rasgar e prosseguir um percurso, iniciado na década de 70 do século XX, que é pessoal e único no quadro do
cinema contemporâneo, assumindo a herança do clássico Howard Hawks e mostrando sempre uma grande mestria, o que o torna um dos grandes cineastas da actualidade, lado a lado com Clint Eastwood, Martin Scorsese, David
Lynch e Terrence Malick. Basta, neste caso, atentar na estrutura temporal da
narrativa, e notar como ela não quebra a dinâmica do filme, para o perceber com toda a clareza.
Dezembro 2006
Dezembro 2006
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