“Reis e Rainha”/”Rois et Reine”, de Arnaud Desplechin (2005), é o segundo
filme deste cineasta francês a estrear no circuito comercial português – o
primeiro foi “Esther Khan” (2000), que tinha deixado a melhor das impressões.
Entre um e outro filme, ele fez “Léo, en jouant «Dans la compagnie des
hommes»” (2003), filme notável que confirma a impressão que dele tínhamos desde os seus
primeiros filmes – “La
Sentinelle” (1992) e “Comment je me suis disputé (ma vie
sexuelle)” (1996).
Que impressão era essa? A de um
cineasta perfeitamente consciente e senhor dos meios da sua arte e das
condições do seu tempo, nomeadamente no cinema. Daqui resultava não apenas um
apuro formal mas a consciência, por parte de Desplechin, de ter um passado
antes de si no cinema, o que o fazia enveredar por caminhos de grande exigência
estética e de uma certa complexificação das narrativas, nomeadamente por via da
extensão temporal delas.
“Reis e Rainha”
surge já numa outra fase da obra do autor, em que a exigência estética como que
é exponencializada pela exigência da narrativa complexa, no prolongamento do
caminho inicialmente seguido por ele.
Temos personagens muito diferentes,
com as quais sucessivamente entramos em relação de cumplicidade até percebermos
que, como num filme de Eric Rohmer, os dados narrativos inicialmente dispostos
não correspondem aos do ponto de chegada do filme. A abundância de diálogos e a
riqueza fílmica tornam este filme um dos mais interessantes a que nos foi dado
assistir nos últimos tempos, porque percebemos que as personagens evoluem e se
transformam ao longo da narrativa, longe dos arquétipos clássicos de figuras
imutáveis, esfíngicas mas paradas no tempo e nas situações que lhes era dado
viverem. No seu melhor, o cinema da viragem do século acompanha as mudanças
pessoais e relacionais das suas personagens, e é aí precisamente que se situam
os filmes de Arnaud Desplechin.
Ora isto exige actores especialmente aptos a darem rosto e corpo à mudança gerada pela passagem do tempo e pelo aparecimento de novas circunstâncias, actores e actrizes de entrega sem reservas às suas personagens, questão relativamente à qual o cinema francês continua muito bem apetrechado – neste caso com Emmanuelle Devos e Mathieu Amalric, Catherine Deneuve e Maurice Garrel. Mas exige também uma disponibilidade especial do espectador, porque o faz afastar-se dos parâmetros usuais da recepção fílmica, uma vez que um filme como este apela para a atenção e a paciência de uma maneira hoje em dia invulgar, pois em “Reis e Rainha” somos convidados a captar as pequenas variações como as grandes mudanças das personagens, e isso só se consegue entrando no tempo fílmico em que a narrativa decorre.
Ora isto exige actores especialmente aptos a darem rosto e corpo à mudança gerada pela passagem do tempo e pelo aparecimento de novas circunstâncias, actores e actrizes de entrega sem reservas às suas personagens, questão relativamente à qual o cinema francês continua muito bem apetrechado – neste caso com Emmanuelle Devos e Mathieu Amalric, Catherine Deneuve e Maurice Garrel. Mas exige também uma disponibilidade especial do espectador, porque o faz afastar-se dos parâmetros usuais da recepção fílmica, uma vez que um filme como este apela para a atenção e a paciência de uma maneira hoje em dia invulgar, pois em “Reis e Rainha” somos convidados a captar as pequenas variações como as grandes mudanças das personagens, e isso só se consegue entrando no tempo fílmico em que a narrativa decorre.
Pode não ser fácil, mas nunca
ninguém disse (eu, em todo o caso, nunca disse) que assistir a um filme tenha
que ser uma coisa fácil – embora todos nós saibamos quão fácil isso é no cinema
comercial, nos melhores e nos piores casos. O que acontece é que, neste filme,
não só as imagens mas as personagens nos olham, como se nos desafiassem a
entrarmos na sua pele mesmo se nelas não nos reconhecermos.
Penso que por aí passa grande parte
do fascínio de “Reis e Rainha” e, em geral, dos filmes de Arnaud Desplechin, um
cineasta do seu e do nosso tempo, um tempo em que, como todos sabemos, as
coisas não são normalmente fáceis, e as marcas da passagem do tempo ganham em
evidência e em consequências.
Nestes tempos apressados que vivemos
é preciso ter tempo para nos expormos à experiência fílmica e humana de um
filme como este, à semelhança do que no passado aconteceu, por exemplo, com os
filmes de John Cassavetes, em quem, depois de “Reis e Rainha”, Arnaud
Desplechin me faz pensar.
Março 2007
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