“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 20 de novembro de 2016

Lust for Life

    Do realizador de "Robocop - O Polícia do Futuro"/"Robocop" (1987), "Instinto Fatal"/Basic Instinct" (1992), "O Homem Transparente"/"Hollow Man" (2000), "Steekspel" (2012), que não nos chegou, e "Livro Negro"/"Zwartboek" (2006) entre outros, o holandês Paul Verhoeven, estreou o mais recente filme "Ela"/"Elle" (2016), como os dois anteriores rodado de novo na Europa - mais precisamente em Paris - onde regressou depois da sua longa aventura americana. O que até se explica por não ter conseguido financiamento americano para este projecto.
                                  
   Ora "Ela" é dominado por Michèle LeBlanc/Isabelle Huppert, directora de uma empresa de jogos de vídeo, vítima de sucessivas tentativas de violação no intervalo das quais se entretém com este e aquele na vida social que leva. Concentrando em si todas as atenções do realizador e do filme, depois dos espectadores, para descobrir a identidade do violador encapuçado ela explora em seu favor a situação de que é vítima.
  Com o pai preso por crimes antigos e a mãe, Irène/Judith Magre, ainda activa até ao fim, o seu filho Vincent/Jonas Bloquet não cessa de lhe causar problemas, contrariamente ao seu ex-marido, Richard LeBlanc/Charles Berling. Hiper-activa e sociável, Michèle não só não pára com as investidas do violador encapuçado como se sente por elas estimulada a prosseguir na sua busca pessoal, nomeadamente com Robert/Christian Berkel, marido da sua amiga Anna/Anne Consigny. Acaba por, depois de descoberto o violador, o seu vizinho Patrick/Laurent Lafitte, parecer que procura e aceita o prosseguimento da situação.
                    
  Tudo passa pela excepcional interpretação de Isabelle Huppert num jogo multifacetado, complexo e completo que é só seu e confere a Michèle o aspecto resistente mas também sedutor de uma mulher sem medo, pronta a tudo enfrentar e sofrer na busca do violador e de si própria, também de vingança. Não espanta que perante tão extraordinário desempenho a câmara e o realizador se demorem em pura contemplação.
  Sob a aparente amoralidade deste filme revelam-se com crueza aspectos mais verídicos da mulher, assim exteriorizados e tornados visíveis. Tirando partido da menor estatura da actriz em relação à maioria dos seus comparsas, "Ela" de Paul Verhoeven torna maior o contraste do seu ser sem medo embora ameaçado para tornar Michèle um turbilhão inesperado, que leva à descoberta de cada um dos outros/as ao mesmo tempo que à exploração dos seus limites na descoberta de si própria.
                      Elle
      A alusão ao mais depressa e à duplicação dos jogos de vídeo é pertinente e justificada pela profissão de Michèle, tal como é apropriada a conhecida referência a "A Regra do Jogo"/"La régle du jeu", de Jean Renoir (1939), para cuja sucessiva revelação de personagens, nomeadamente masculinas, "Ela" remete.  
     O argumento é de David Birke a partir de novela de Philippe Djian "Oh...", a fotografia de Stéphane Fontaine, a música de Anne Dudley inclui "Lust for Life" de Iggy Pop (ver "Por Jim Jarmusch", de 15 de Novembro de 2016) e a montagem de Job ter Burg. Este filme confirma que Paul Verhoeven é um realizador invulgar e Isabelle Huppert provavelmente a melhor actriz do nosso tempo.

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