“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por Jim Jarmusch

    Em "Paterson" (2016) o americano Jim Jarmusch regressa às suas origens para filmar sem estrelas e sem rede uma vida humilde, a de um motorista de autocarro chamado Paterson - título de um poema longo célebre de William Carlos Williams (1883-1963), poeta maior do modernismo americano, editado em português pela Relógio d'Água (1998) - em Paterson, New Jersey.
                      
    Com Adam Driver como Paterson e Golshifteh Farahani com Laura, a mulher dele, sobre argumento seu o autor mais importante do novo cinema independente americano cria um filme de quotidiano laborioso de um americano que tem a característica especial de escrever poesia. Aí entra a poesia de Ron Padgett, poeta amigo de Jarmusch, com um poema final do próprio Williams, "This Is Just to Say". E a presença das palavras dos poemas que são escritos na imagem e no som confere plena visibilidade ao acto de as escrever, assim vivel e auditivamente poético, tanto mais quanto Paterson não usa computador, telemóvel ou o mais e escreve à mão.
    Acompanhando os rituais diários do protagonista, o filme segue-o entre casa e o trabalho, deste para o bar e de regresso a casa onde o esperam Laura e Marvin, o cão, durante uma semana, de segunda-feira a domingo, para regressar a uma/a mesma segunda-feira. Com pormenores deliciosos, como as conversas dos passageiros do autocarro e de Paterson com o encarregado, as conversas do bar (fantástica a noite do xadrês e da mesa de bilhar), o diálogo dos anarquistas, as conversas do casal em casa a que o outro casal, Everett/William Jackson Harper e Marie/Chasten Harmon, faz contraponto no bar.
                      
   Jarmusch tem a ciência certa de onde colocar a câmara, como dirigir os actores, onde fazer entrar a música dos SQÜRL, a sua própria banda, composta e interpretada por si próprio e Carter Logan, e Paterson é uma maravilhosa pequena cidade americana, imaginada desta maneira pelo cineasta, onde se recorda Bud Abbott e Lou Costello e até existe um centro comercial que passa filmes de terror antigos, a preto e branco, que o casal vai ver.
  "Paterson" é, assim, um filme fantástico, poético, de humor subtil que esconde os grandes dramas familiares e amorosos. Reconduzidos ao início depois de Marvin ter destruído o caderno do protagonista e um misterioso japonês lhe ter oferecido um caderno em branco, o filme fecha de forma perfeita, circular.  
                       Paterson 7
   Por sua vez "Gimme Danger" (2016), escrito e dirigido pelo mesmo Jim Jarmusch, é um documentário que celebra os The Stooges, banda rock dirigida por Iggy Pop, com origem nos anos 60 do Século XX e cuja história é evocada pelos sobreviventes respectivos.
    Com imagens de arquivo da banda e o comentário de Iggy que esclarece cada circunstância, mas também com recurso imaginativo à animação, da responsabilidade de James Kerr, e a imagens dos filmes e programas televisivos antigos mais banais, sem se questionar nem questionar os músicos de um grupo que ele especialmente aprecia é também um pouco a história da América, com especial atenção aos anos 60 e 70, que o cineasta aqui recorda.                          
                      the-stooges-gimme-danger-documentary-trailer                    
   No final contam-se quatro mortos de The Stoorges originais e adquiridos, mas é a loucura jubilatória dos seus concertos que marca este filme, com o comentário sempre pertinente e esclarecedor de Iggy, de quem é adoptado o ponto de vista, sobre cada situação evocada, de tal maneira que mesmo quem não apreciar o rock fica cativado, siderado com imagens e sons
    Enquanto em "Paterson" temos a cores a pura arte do cineasta, em "Gimme Danger" temos a preto e branco e a cores a arte impura da música e do cinema. Em comum os dois filmes têm, além do realizador, Affonso Gonçalves na montagem - sobre Jim Jarmusch, um dos melhores cineastas contemporâneos, ver "Um cineasta de culto", de 16 de Junho de 2014. 

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