“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 22 de novembro de 2016

O jardim do paraíso

  Com argumento de Ciro Guerra e Jacques Toulemonde Vidal baseado nos diários Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) e Richard Evans Schultes (1915-2001), o primeiro, colombiano, realizou "O Abraço da Serpente"/"El abrazo de la serpiente" (2015), uma co-produção entre a Colômbia, a Venezuela e a Argentina que este ano estreou entre nós. 
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   Como somos informados, os referidos diários, respeitantes a épocas separadas por 40 anos, são os últimos testemunhos sobre a vida primitiva na Amazónia, e ao pôr em filme duas experiências nos mesmos espaços separadas no tempo o cineasta adopta um ponto de vista muito curioso, pois além de acompanhar Theo/Jan Bijvoet e Evan/Brionne Davis, acompanha também os seus guias, Karamakate/Nilbio Torres quando jovem, Antonio Bolivar quando velho, e Manduca/Yauenkü Migue, mestiço, presente apenas durante a primeira expedição.
   O que leva o alemão Theo a embrenhar-se na Amazónia a partir do momento em que o vemos pela primeira vez é a procura de uma planta sagrada capaz de o curar da doença de que sofre, enquanto o americano Evan pretende seguir os seus traços no tempo de II Guerra Mundial para procurar outra coisa. 
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  Com os tempos e percursos a alternarem no filme, acompanhamos de Theo o encontro com o homem maneta e com uma tribo local, o encontro com o missionário, Padre Gaspar/Luigi Sciamanna, que cumpre a sua missão evengelizadora de forma algo insólita, e os momentos finais, enquanto de Evan seguimos a tentativa de refazer o percurso anterior, o encontro com o Messias brasileiro de uma seita, o final no verdadeiro "jardim do paraíso" e o diálogo com Karamakate antes de surgir, inesperada, a cor.
  Permanecemos espectadores atentos destes contactos civilizacionais em que no primeiro caso são afirmados objectivos científicos enquanto no segundo estes escondem já um outro propósito. Entretanto povos e a floresta da Amazónia tinham continuado a ser dizimados e os indígenas presentes no fiilme como actores são os seus descendentes vivos.   
                      O ABRACO DA SERPENTE01 
     Feito por Ciro Guerra com total domínio dos meios do cinema a preto e branco (fotografia de David Gallego), este "O Abraço da Serpente" é um belo filme sobre a eventual má consciência de brancos da Europa mas também das Américas quanto ao extermínio de populações e culturas locais - e percebe-se pela conversa final entre  Karamakate e Evan quem tem a aprender com quem, enquanto a posição do mestiço Manduca é cúmplice do estrangeiro, Theo, por causa do conhecimento.
   Trata-se da terceira longa-metragem de Ciro Guerra (a primeira que dele nos chega), um cineasta muito bom e promissor pelo que mostra neste filme em que manifesta atenção ao meio, aos objectos, aos animais, aos humanos, aos espaços e aos tempos, para além de respeitar a sua base narrativa - fabuloso o diálogo sobre a fotografia, precioso o recurso às cartas de quem não voltará à sua terra.

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